quinta-feira, 28 de abril de 2011

A Noite

Era noite e nada tinha acontecido até aquele momento. As ruas estavam praticamente desertas e a luz se resumia à do clarão dos postes. Poucas pessoas estavam acordadas naquela hora, alguns insistiam na TV, com seus controles remotos, tentando captar um bom filme de suspense daqueles que ainda não repetiram “centenas” de vezes, em que o personagem principal sabe exatamente o que fazer pra deixar o espectador extremamente excitado, extasiado com sua beleza física e ligado no enredo Hitchcokiano, passado em locais paradisíacos e ao mesmo tempo insólitos.
Era uma noite como tantas outras, sem estrelas nem luar, apenas o negro, a negra noite...
Resolvido a se perder na cidade noite adentro, entediado com o cotidiano, faminto por sexo, drogas e rock progressivo, Sebastian saiu sem rumo a procura de novas emoções, ao encontro do desconhecido, seria naquela noite ou nunca, arriscaria tudo de uma vez. A vida sempre foi difícil para ele, tudo poderia ser resolvido com dinheiro, porém o seu trabalho lhe remunerava insuficientemente pra suas necessidades básicas. Sempre pensou em viajar, como aquela vez em que visitou Lisboa e sentiu saudades de casa, da família e ao mesmo tempo pensou em não voltar mais, afinal estava no Rocio, na rua do Comercio saboreando um vinho tinto da casa e o queijo de cabra, o tempo frio convidava às lembranças, o estado de espirito estava nas nuvens.
Ao caminhar pelos becos de Diamantina não pôde deixar de comparar com as ruelas de Alfama, do Chiado, bairros da cidade lusitana que tanto lhe trazia em recordações
A arquitetura dos prédios coloniais é linda mas pode se transformar em sombras fantasmagóricas com a fraca luz das lanternas tremulantes ao vento, também podem refletir a alma dos projetistas e suas amarguras transformadas em contornos, em lúdicas catedrais góticas.
Nem tudo estava definido para Sebastian, desde que sofreu a perda de seus entes queridos num acidente nas encostas da Chapada Diamantina no sertão baiano, quando praticava rapel em direção as cavernas da Lagoa Azul. Ele sempre se comportava reflexivo, distante, mas nem por isso deixava de raciocinar de forma brilhante como sempre fez.
Essas suas andanças pelo mundo afora lhe acrescentaram conhecimento, sabedoria e paciência, anos e anos de estrada, trilhas pelos parques florestais, natureza exuberante oxigenando-lhe o cérebro, turbinando seus milhões de neurônios, e disso é que tirava forças e mantinha-o vivo, tanto de dia quanto a noite, quando a solidão parece mais escura, mais solitária e fria. A solidão é fria e frio é apenas uma forma branda de calor, já dizia Lobão...
Na verdade, Sebastian queria mesmo era a liberdade, queria que os povos se entendessem, gostaria de ver as culturas em harmonia sem invasão, sem opressão pelo certo ou errado, ultimamente isso era uma obsessão para Sebastian.
Pela noite adentro você encontra seus habitantes, num vôo calmo e sereno, da varanda vejo e nem tento compreender o universo. Sebastian sabe que vários enigmas da terra continuarão sem solução por muitos séculos, a tecnologia sempre vai tentar alcançar esses mistérios, porém são infinitos, talvez até mais do que meras definições matemáticas ou físicas. As definições são estáticas...
Essa mesma noite, poderia ser eterna, poderia ser mais fria, animais noturnos proliferariam em quantidade absurda, os espaços não suportariam dois corpos na mesma situação, sobrepostos , como diria Lavoisier, e Sebastian sabe que estamos caminhando pra isso, pra uma superpopulação.
Nesta noite, finalmente alguém relativamente normal, com algum conhecimento em álgebra, não tanto como o Ricardo Musse, um cara de estatura mediana, bom de bola, ruim de grana, que saiba tabuada, arranhe um idioma qualquer, terá resolvido o eterno enigma, o grande desafio da vida, o mistério dos segredos do universo, ou tudo isso junto: A noite vem depois do dia ou tudo é apenas perspectivas do ponto de vista, do ponto de observação?

 

Amilcar não conhece o Sebastian!

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sacadinha do pum