terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O Urbanóide

Não adianta tentar mudar, podemos até querer ser menos dependentes e usuários das parafernálias eletrônicas, dos avanços tecnológicos, das manias urbanas, da civilização.
O conforto das cidades, ruas pavimentadas, água tratada e encanada, luz elétrica, telefone, microondas e televisão, automóveis, planos de saúde, internet, isso tudo já incorporou no seu dia a dia, faz parte da sua vida.
Restaurantes, cinemas, sorveterias, hambúrgueres, fast food, casas de massagem, academias, clínicas, serviços de entrega, transporte coletivo, assistência técnica, igrejas, templos, boates, raves, motéis, inferninhos e terreiros de umbanda, etc.
É a cidade, esse aglomerado de gente e concreto, de vida e morte, de barulho e poluição que fazem de você um urbanóide, esse ser que virou produto do meio, não adianta espernear, isso faz parte do seu sistema biológico e psíquico também.
Seu corpo acostumado com todas essas toxinas e agressões das metrópoles só vão dar mostras de fadiga alguns anos depois, enquanto isso suas horas de lazer num shopping center adiam seu estresse pra daqui a alguns dias, talvez meses.
Seu sistema linfático e nervoso por natureza às vezes te interrompe num acesso de loucura, porem não se preocupe demais, isso está acontecendo com todo cidadão urbano, é só controlar sua vontade incontrolável de consumir, de ingerir alimentos altamente calóricos e maléficos para suas válvulas e artérias, evitar correrias de ultima hora, filas de banco e desavenças de transito; não queira dirigir pra todo mundo, faça um seguro mais abrangente.
Ser urbanóide é bom, é como se sua vida fosse regida pelos semáforos e desaforos de vizinhos, é simplesmente atravessar a rua e não ser atropelado e chegar são e salvo no fim do dia, mesmo a luz de velas; é raramente andar descalço.
Um urbanóide completo é aquele sujeito que vez ou outra é pego falando sozinho, às vezes experimenta um cacho de uva no supermercado e não compra, apesar de saber que está sendo filmado, tem reações normais quando vê uma ambulância com a sirene ligada a 150 decibéis, nem se importa mais em ceder seu lugar no ônibus lotado para alguma senhora grávida com dois pimpolhos no colo, outro em gestação, mais a sacola a tiracolo, toda hora que vê um banco vai puxar o extrato como se sua movimentação bancaria sofresse modificação ao acionar o caixa eletrônico.
Todo urbanóide que se preza tem manias e cacoetes, anda sempre do mesmo lado da calçada, olha sempre as mesmas vitrines, finge que não vê as mesmas pessoas ou acaba fazendo tudo isso ao contrário; tem problemas com escada rolante e elevador sempre lotado; adora comida a quilo pois mistura tudo que gostaria de comer durante o ano, comidas típicas, comidas da época, comidas de festa, comidas dormidas e um pouquinho de cada molho pra enfeitar o prato; o urbanóide é desses que quando está atrás de um prato de comida bem fundo, é sozinho...
Tudo bem, sabemos que a vida no campo, nas fazendas, ao ar livre é muito mais saudável, porem o que seria de um urbanóide sem um telefone, sem um asfaltosinho básico, sem um carro de som totalmente irregular perante a legislação vigente, na maior barulheira anunciando um anuncio.
O que faria um urbanóide sem um controle remoto, sem um microondas, sem um som ensurdecedor desses que entram dentro da sua trompa de Eustáquio e tocam a sua Bigorna a mais de 300 decibéis por cilimetro, com permissão da prefeitura, sem licença do direito autoral e da Vigilância Sanitária; sem caixa eletrônico, sem um engarrafamento, sem um mendigo te pedindo uns trocados?
Provavelmente esse ser oriundo do mais puro e poluído sistema civilizatório e socialóide, não sobreviveria por um dia em outro meio, em outra cultura, seria como sugar todo seu plâncton, seria como tomar pirulito de menino.
Contam até que um certo urbanóide depois que praticamente pirou com a cidade foi criar porcos num sitio, pra tentar voltar ao normal ou pelo menos conseguir manter um dialogo estável com seu semelhante sem precisar partir pra agressão verbal, e logo chegou um fiscal da vigilância sanitária campestre e lhe indagou:
- O que o Sr. dá pros porcos?
- Eu dou resto de comida, lavagem, ... tudo que sobra.
- Isso é um crime contra a saúde pública. Vou multá-lo em dez mil reais!
Passado uns dois meses, novamente o fiscal apareceu de surpresa e perguntou pro nosso já combalido urbanóide rural:

- O que o Sr. tem dado pros porcos?
- Ração importada, caviar, salmão, tudo de primeira! Exclamou nosso herói.
- Pois então vai levar uma multa de vinte mil reais, não tem lógica milhões de famílias passando fome e o Sr. tratando esses animais irracionais e porcos dessa maneira, é um absurdo!
Tudo transcorria mais ou menos quando passados mais dois meses o tal fiscal retornou e foi logo perguntando:
- O que o Sr. dá pros porcos?
- Eu dou dinheiro, pois assim eles comem o que querem, aonde quiserem e quanto puderem...

 
Amilcar é urbano!

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sacadinha do pum